Um dia para guardar na memória: o encontro dos Xetás no Paranaense 31/05/2019 - 15:40

Sentimentos, lembranças e recordações marcaram momento de confraternização dos indígenas Xetá no museu

O evento programado para ser uma visita dos indígenas Xetás ao Museu Paranaense ganhou novo significado ainda na fase de organização: passou a ser um grande encontro familiar, que reuniu gerações há muito distanciadas. Fruto do projeto da pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Lilianny Rodrigues dos Passos, o momento no Paranaense rendeu muitas lembranças, reavivou a memória dos tempos em que viviam na mata, apresentou às novas gerações a arte e a cultura ameríndia ainda presentes nos descendentes e preservadas dentro do museu.

Foto Kraw Penas/SECC
A equipe da Arqueologia promoveu uma oficina de modelagem em argila com os indígenas, relembrando as esculturas tradicionalmente feitas pelos Xetá com ceras de abelhas.

Antropóloga do Museu Paranaense, Josiéli Spenassato conta que foi um momento muito importante e especial para os indígenas porque a maioria não tem condições financeiras de viajar para encontrar os familiares. “Essa foi a segunda visita dos Xetás ao museu, que ganhou o nome de Encontro Xetá porque tomou uma proporção muito grande. Vieram Xetás da Terra Indígena São Jerônimo da Serra, de Umuarama e aqui de Curitiba, da aldeia urbana Kakané Porã. A dimensão do que representou esse evento é que foi um grande encontro de família, com pessoas que se encontraram há muito tempo atrás.”

A dinâmica do encontro foi bastante flexível e respeitou o momento de cada um para contemplar os objetos apresentados, conversar sobre as memórias presentes no museu e confraternizar. A manhã foi dedicada a uma grande visita guiada pelo museu, iniciando pelos acervos indígenas e percorrendo as demais exposições que contemplam a história do Paraná.

Foto Kraw Penas/SECC
Escultura em argila imitando bichos feitas durante oficina de modelagem promovida pelo setor de Arqueologia durante encontro dos Xetá no Museu Paranaense.

Na parte da tarde, o grupo foi levado a uma sala onde vários objetos Xetá do acervo do museu estavam expostos, dispostos sobre nichos, como em uma mostra, mas com a possibilidade de pegar e sentir cada peça. “Tinha uma espécie de chapéu de onça que era usada em cerimônias de colheitas de frutas no tempo do mato, que eles pegavam e colocavam na cabeça. Eles tiraram muitas fotos, fizeram vídeos, se divertiram demais e postaram nas redes essa satisfação em relação às visitas”, relembra Josiéli.

Importante coleção do Paranaense, as fotos e vídeos realizados por Vladimir Kozák também foram apresentados aos Xetás, o que rendeu um momento singular do encontro: umas das indígenas, Maria Rosa Brasil Tiguá, hoje idosa, se reconheceu ainda criança em uma fotografia de Kozák, feita entre 1955-1956.

Foto Kraw Penas/SECC
Maria Rosa Brasil Tiguá se reconheceu em uma foto feita por Kozák entre 1955-1956. Na foto, ela é a segunda criança, da esquerda para direita.

Por reivindicação do povo Xetá, houve um processo de repatriação digital das coleções, com entrega de filmes e fotografias em formato digital, tanto do acervo quanto do encontro. “Esse material é guardado como arquivo pessoal, que constitui uma memória marcada pelo afeto familiar com os antigos – os pais, mãe, tios, tias, primos e primas. Mas também, no presente, são usados como referência, por exemplo, pelos professores Xetá em projetos pedagógicos na Escola Estadual Cacique Kofej na Terra Indígena São Jerônimo da Serra. A visita envolve uma relação com o passado, mas também com o presente e o futuro”, explica a pesquisadora Lilianny. “Esses filmes serão trabalhados com as crianças na escola e assim elas podem aprender sobre o nosso passado”, disse Dival Xetá, da Terra Indígena de São Jerônimo da Serra.

Os vídeos e fotos também servem de referência para a produção de artefatos. Atualmente eles produzem colares, pinos labiais, machados de pedra e bichinhos de madeira que, como artesanato, têm se tornado uma importante fonte de renda para suas famílias. Lilianny reforça que essas ações conjuntas, como o encontro no museu, os arquivos pessoais, os materiais nas escolas e a produção de artefatos “buscam constituir uma memória para as gerações futuras, tanto que, nesse encontro, fizeram questão de incluir a participação das crianças”.

Uma das últimas atividades no museu encantou, principalmente, os pequenos. A equipe de Arqueologia promoveu uma oficina de modelagem de esculturas em argila, similar às esculturas em ceras de abelhas originais dos Xetá, que eram feitas para as crianças brincarem. “Fizeram as esculturas com os mesmos tamanhos, imitando bichos, mas também saíram coisas variadíssimas, como um Pokémon, uma estrela, um coração; o que também gerou uma ressignificação, uma releitura da prática”, descreveu Josiéli.

Foto Kraw Penas/SECC
As crianças se divertiram com a oficina de modelagem em argila proposta pelo setor de Arqueologia.

Indianara Paraná, da aldeia urbana Kakane Porã, em Curitiba, ficou satisfeita em saber que as memórias de seu povo estão preservadas para as próximas gerações: “no futuro, quando nossas crianças visitarem o museu, encontrarão nossas fotografias, filmes e bichinhos aqui também”.

O projeto
Idealizado e conduzido pela pesquisadora da UFPR Lilianny Rodrigues dos Passos, o projeto “Memória, afetividade e pertencimento: o povo Xetá e suas coleções etnográficas” é realizado com apoio da Fundação Cultural de Curitiba por meio da Lei de Incentivo Municipal, em parceria com o Museu Paranaense e Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR (MAE). O projeto também faz parte da pesquisa de doutorado de Lilianny no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPR e envolve as relações dos Xetá com os museus e as coleções etnográficas.

O projeto teve como fundamento a visita dos Xetás aos dois museus. Ambos conservam acervo dos antepassados Xetá e a visita teve como objetivo o contato, a troca de experiências e ativação da memória e de afetos em relação ao acervo. As visitas ocorreram nos dias 21 de maio no MAE e no 22 de maio no Paranaense.

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