Arqueologia do Paraná: memórias de povos em paisagens transformadas
Arqueóloga Dra. Claudia Inês Parellada
Museu Paranaense
Na exposição do Museu Paranaense podem ser observados vestígios relacionados a diferentes ocupações humanas, a partir de 15.000 anos atrás, no atual território paranaense. Na visita faz-se uma grande viagem no tempo e no espaço por cerca de mil peças arqueológicas dispersas em vitrines, dioramas e contextualizadas com painéis e maquetes.
São peças provenientes de diversas regiões do Paraná, que procuram iluminar um passado muitas vezes distante do nosso cotidiano hoje em dia. Trata-se de exposição que resulta de pesquisas contínuas, , na qual o visitante pode viajar pelo tempo e espaço no caminhar pelo circuito...
Os primeiros povos, os paleoíndios, chegaram ao Paraná há mais de quinze mil anos, migrando da costa do Pacífico e adentrando pelo centro-oeste sul-americano, encontrando aqui um clima diferente do atual, mais frio e seco, com a vegetação predominante de campos e cerrados.
Vivendo em pequenos grupos, conviveram com animais da megafauna, como a preguiça gigante, o mastodonte e o tigre dente-de-sabre. Elaboraram grandes pontas de projéteis, caçando aves, pequenos mamíferos e roedores, além de praticarem a pesca. As pontas de projétil rabo de peixe são bastante características dos Paleoíndios.
Há dez mil anos, com o clima tornando-se cada vez mais quente e úmido, outros grupos caçadores e coletores migraram para o Paraná, ocupando o vale de grandes rios, como o Iguaçu, o Ivaí, o Tibagi e o Paraná, o topo de morros e montanhas, abrigos rochosos, e a planície litorânea. São povos relacionados ao período arcaico, denominados Umbu, Humaitá e Sambaquieiros no sul do Brasil. A paisagem sofreu grandes transformações, com matas mais densas e uma maior disponibilidade de recursos naturais, como peixes, moluscos, aves, mamíferos e árvores frutíferas.
Os sambaquis são aterros construídos por diferentes populações pré-coloniais, principalmente em conchas de moluscos e gastrópodos, e em menor escala de restos de vegetação e ossos de animais. Alguns sambaquis são menores, compostos por restos alimentares, e os maiores, com altura de até 25 metros, planejados como grandes centros cerimoniais, com muitos sepultamentos associados. Deve ser destacado que parte dos sambaquis é formada por diversas camadas arqueológicas, originadas por ocupações de culturas muitas vezes distintas ao longo do tempo.
Os zoólitos, artefatos polidos em rochas, esculpidos com formas de animais e bacias ventrais, são característicos dos sambaquieiros, especialmente entre 5.000 e 3.000 anos atrás.
Ao lado está uma fotografia com sepultamento fletido, semelhante à posição fetal, evidenciado a 3,20m de profundidade na base do sambaqui do Poruquara, litoral norte paranaense. A conservação de ossos humanos, mesmo que possam ter mais de dois mil anos, acontece em situações especiais, como solos orgânicos ou ricos em cálcio, devido às muitas conchas de moluscos e gastrópodos.
No planalto, como no vale do Ribeira, existem os chamados sambaquis fluviais, onde ocorrem sítios arqueológicos com muitas valvas de gastrópodos terrestres, em áreas próximas a grandes rios, e que foram construídos por povos caçadores e coletores.
Os povos Umbu e Humaitá eram nômades, permanecendo geralmente tempos curtos em cada acampamento. Caçavam diferentes animais, coletando frutos e raízes, e muitas vezes deixando representações simbólicas através de pinturas, gravuras e esculturas nas rochas. As pinturas, geralmente vermelhas, marrons ou pretas, são figuras de animais associadas a grades, além de elementos geométricos que podem caracterizar componentes de mitos ou da paisagem .
A maior parte das pinturas rupestres no Paraná está concentrada em abrigos e cavernas areníticas nos Campos Gerais, apesar da arte rupestre se distribuir por todo o território paranaense, inclusive em rochas calcárias e metamórficas do vale do Ribeira e no litoral, e também em basaltos e andesitos do centro e do oeste paranaense.
Grupos Umbu e Humaitá caçavam usando armadilhas, ou arpões e flechas com pontas de osso, madeira e pedra, e preparavam os alimentos com auxílio de talhadores, raspadores e facas lascadas, especialmente em silexito. Testemunhos desse período recuado foram encontrados em um dos sítios arqueológicos mais antigos do Paraná: Ouro Verde, situado no sudoeste paranaense, no vale do rio Iguaçu, onde foram identificados vestígios de caçadores-coletores Umbu com mais de nove mil anos.
Os primeiros povos ceramistas e agricultores chegaram ao Paraná há quatro mil anos, vindos do planalto central brasileiro. Eram populações Proto-Jê, também denominadas Itararé-Taquara, ancestrais de indígenas da família linguística Jê : Kaingang e Xokleng, que vivem até hoje no sul do Brasil, e que se miscigenaram com os antigos caçadores-coletores que aqui estavam.
Os agricultores Proto-Jê ou Itararé-Taquara moravam em aldeias, com 200 a 300 pessoas, divididas em 4 a 6 casas comunitárias. Em áreas próximas plantavam roças de milho, amendoim, feijões e abóboras. No período em que aguardavam o crescimento das plantações dividiam-se em pequenos grupos, para a coleta de mel, pinhão e diversos frutos. Assim, foram fundamentais na expansão de áreas com pinheiro araucária, pitanga, jabuticaba, araçá, jerivá e palmito, realizando o manejo dessas espécies.
Os Itararé-Taquara usavam diferentes armas de caça, como flechas, algumas com ponta-virote, que serviam para caçar animais e derrubar pinhas, além de pilões, picões, e lâminas de machado polidas, algumas relacionadas especialmente a estes grupos culturais, como as petalóides e semi-lunares.
Enterravam os mortos de várias maneiras, sendo característica a cremação e o sepultamento em estruturas circulares, com elevações que podiam ter blocos de rochas e monolitos além de arte rupestre associada. Alguns sepultamentos eram fletidos, semi-fletidos ou em em decúbito dorsal, e ficavam junto a abrigos rochosos, em áreas consideradas sagradas, onde eram feitas pinturas e/ ou gravuras rupestres, geométricas ou figurativas, muitas vezes com cenas complexas.
Parte das pinturas aparece associada a figuras humanas, a de animais, e de plantas já domesticadas pelos indígenas fazem mais de quatro mil anos, como o milho.
A cerâmica Itararé-Taquara possui geralmente forma cilíndrica e espessura fina, algumas vezes recoberta por engobo negro ou vermelho. A decoração externa da cerâmica era feita com impressão de carimbos ou malha grossa, e também incisões, antes da queima dos vasilhames. As técnicas de manufatura eram o acordelado, o paleteado e o modelado.
Há dois mil anos chegaram ao Paraná populações da família linguística Tupi-Guarani, os Tupiguarani, ancestrais de índios Tupi e Guarani, cujos descendentes vivem até hoje no Brasil e em países vizinhos. Vieram provavelmente da Amazônia, ocupando primeiro o norte e oeste paranaense, para depois fundarem aldeias no planalto curitibano e litoral.
Agricultores, plantavam especialmente mandioca, milho, batata-doce e feijão, e moravam em aldeias com 300 a 400 pessoas em grandes casas comunitárias. A cerâmica é diagnóstica para compreender aspectos do cotidiano dos índios Tupi e Guarani, a pintura em linhas vermelhas e pretas sobre engobo branco é muito comum e revela parte da cosmologia desses povos. A forma carenada, assemelhada a quilha de um navio, de algumas panelas cerâmicas é característica de povos Tupi e guarani.
Os Tupiguarani costumavam sepultar os mortos acondicionados em grandes vasilhames cerâmicos, no interior das habitações, que em seguida eram queimadas e reconstruídas. O recipiente usado para enterrar geralmente pertencia ao morto, e tinha como funções básicas anteriores armazenar grãos, fermentar bebidas e preparar alimentos.
Os principais artefatos em pedra encontrados em sítios arqueológicos Tupiguarani são lâminas de machado polidas ou lascadas, adornos labiais em forma de "T" (tembetás), raspadores, talhadores, polidores em canaleta e adornos polidos perfurados.
Nesta exposição ainda são mostrados materiais relativos a ocupação espanhola no Paraná, afinal o Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Portugal e Espanha em 1494, colocava o atual território paranaense, a oeste de Paranaguá, como sendo espanhol.
Nesta área, denominada Província del Guairá, povoada por grupos indígenas das famílias linguísticas Tupi-Guarani e Jê, a Coroa espanhola fundou, a partir de 1554, cidades, inicialmente Ontiveros, depois entre 1556 e 1557, Ciudad Real del Guairá, cujas ruínas atualmente estão localizadas no município paranaense de Terra Roxa.
A terceira cidade espanhola fundada foi Villa Rica del Espiritu Santo, em 1570, nas proximidades do rio Cantu.
Em 1589, depois de epidemias de varíola e gripe no local da primeira fundação, Villa Rica foi transferida para as proximidades da foz do rio Corumbataí no Ivaí. Lá, no atual município paranaense de Fênix, existe o Parque Estadual de Vila Rica do Espírito Santo, com um museu arqueológico aberto a visitantes.
A partir de 1610, numa tentativa de conquistar o Guairá com menor número de conflitos com os grupos indígenas Guarani e Jê, foram criadas quinze missões jesuíticas, que tiveram apoio da Coroa espanhola.
As datas das fundações, algumas controversas, e os nomes das missões coordenadas por padres jesuítas no Guairá foram:
- 1610: Nuestra Señora de Loreto e San Ignacio Mini
- 1624: San Francisco Xavier
- 1625: San Joseph, Nuestra Señora de Encarnación
- 1626: Santa Maria
- 1627: San Pablo del Iniaí, Santo Antonio, Los Angeles, San Miguel, San Pedro, Concepción de Nuestra Señora de Guañaños
- 1628: San Thomas, Ermida de Nuestra Señora de Copacabana
- 1630: Jesus-Maria
Os ataques dos bandeirantes paulistas, para capturar indígenas para trabalhar em áreas agrícolas de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, eram contínuos desde o final do século XVI, e assim até 1631 todas as missões foram destruídas ou simplesmente abandonadas.
Em 1632, Villa Rica foi sitiada pelos bandeirantes paulistas e acabou sendo transferida para a oeste do rio Paraná. Hoje a oitava fundação de Villa Rica ainda existe, e está localizada em território paraguaio.
Ciudad Real del Guairá foi abandonada em 1632 pelos espanhóis, devido ao receio de maiores confrontos com os paulistas.
Objetos arqueológicos representativos desta época estão expostos na mostra do Museu Paranaense, tais como cerâmica, rodas de moinho, artefatos em ferro, além de maquetes da segunda fundação da cidade colonial espanhola de Villa Rica del Espiritu Santo (1589-1632) e da missão jesuítica de San Ignacio Mini (1610-1631).
O território hoje compreendido pelo Estado do Paraná era cortado por um caminho indígena, rico em ramais, denominado Peabiru, que saía da atual costa sul-brasileira e chegava até o oceano Pacífico .
Muitos dos ramais do Peabiru acabaram originando uma série de estradas dos colonos na conquista e ocupação do território, exemplos são os Caminhos do Arraial, do Itupava e o dos Ambrósios. Junto a estes caminhos foram desenvolvidas diferentes pesquisas arqueológicas visando a identificação das áreas onde tropeiros e viajantes armazenavam e transportavam produtos e matéria-prima para ser comercializados.
Com a descoberta de ouro de aluvião no planalto curitibano, a partir do século XVII, foram criados vários arraiais iniciando os primeiros núcleos de povoação. O Caminho do Arraial, no século XVII, tinha como objetivo ligar localidades onde havia a mineração de ouro, desde o planalto de Curitiba, passando pela Serra do Mar e chegando até Paranaguá.
O Caminho do Itupava foi a principal via de comunicação entre o litoral e os campos de Curitiba, sendo descrito inicialmente no século XVII. O trecho calçado com pedras irregulares estendia-se da Borda do Campo, atual município de Quatro Barras, até Porto de Cima, localidade de Morretes, onde se poderia prosseguir por embarcações pelo rio Nhundiaquara, até as vilas de Morretes, Antonina e Paranaguá.