Claudia Andujar: poéticas do essencial

 

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MOSTRA TEMPORÁRIA

Em cartaz de 08/2023 a 11/2023

 

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A exposição “Claudia Andujar: poéticas do essencial" é um recorte da longa trajetória da fotógrafa e ativista Claudia Andujar junto ao povo indígena Yanomami. Habitantes da Floresta Amazônica, nas fronteiras entre o Brasil e a Venezuela, a população soma hoje mais de 30 mil pessoas e uma cultura milenar, que Andujar imergiu a partir dos anos 1970.

Suas imagens, que foram essenciais para a demarcação da Terra Yanomami, registram uma perspectiva íntima e significativa sobre a realidade desse povo, há anos ameaçado por processos de exploração e degradação ambiental. Por meio delas, a suíça, naturalizada no Brasil, encontrou a si mesma através do outro, e também o outro através de si, a partir de narrativas que transformaram a fotografia – de mero registro documental a uma experiência radical de alteridade.

Na mostra apresenta trabalhos realizados ao longo das décadas de 1970 e 1980, de coleções importantes da carreira da fotógrafa, como “A Casa” (1970 - 1976), “Catrimani” (1971-1972) e “Genocídio do Yanomami” (1989). Além de livros e documentos raros que narram a trajetória dos Yanomami e celebram sua cultura e sabedoria, como o “Mitopoemas Yãnomam” (1978).

 

claudia andujar
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Texto curatorial 

Atravessando continentes e cidades, a extensa trajetória de Claudia Andujar cruza novamente Curitiba na nova exposição do Museu Paranaense “Claudia Andujar: Poéticas do Essencial”. Entre idas e vindas, o trabalho da fotógrafa ganha uma nova morada na capital paranaense. 

A obra, assim como sua criadora, escapa às definições. Claudia Andujar recusa para si o título de artista, ao mesmo tempo em que seu trabalho não se resume a um simples esforço de documentação fotográfica. Em seus próprios termos, suas fotografias podem ser traduzidas como uma busca, uma procura. Preencher as ausências, que desde cedo permearam sua vida, levou Claudia a cruzar o Atlântico e experimentar diferentes linguagens que a ajudassem a compreender o outro e a si própria. 

Foi no Brasil, na Floresta Amazônica, que entre desconhecidos, o povo Yanomami, a fotógrafa viu-se entre os seus. Em suas fotografias, através das fragilidades da vida que retratava, Claudia Andujar reconheceu a si própria, a garotinha de anos atrás devastada pelos horrores do nazismo que exterminou a maior parte de sua família. 

Recorrentemente interpretada apenas por um viés negativo, a vulnerabilidade na obra de Andujar ganha outra nuance, construída pela fotógrafa a partir de sua vivência com a sabedoria Yanomami. Para um membro desse povo se tornar xamã precisa passar por um ritual com os espíritos Xapiripë ou Hekurapë. Nessa cerimônia, ele fica estendido em meio à maloca, suscetível a essas entidades que fragmentam e remontam seu corpo com golpes de espada. Somente após se deixar à mercê de outros e ser fragmentado é que um indivíduo é capaz de acessar o mundo espiritual e mediá-lo para os demais. Assim como o ritual xamânico, o trabalho de Claudia Andujar revela que as quebras e a vulnerabilidade gerada por elas podem abrir as frestas necessárias para acessar outros indivíduos, povos e dimensões. 

Se o livro “A Queda do Céu” é definido pelo antropólogo Bruce Albert como um relato de vida, autoetnografia e manifesto cosmopolítico focado na trajetória do xamã Davi Kopenawa, é possível dizer que a obra da fotógrafa e ativista Claudia Andujar é uma manifestação artística de objetivos muito semelhantes, a divulgação do modo de vida Yanomami. Divulgação essa que sempre teve dois vieses indissociáveis – político e estético.

Não foi superficial a intencionalidade política em seu trabalho, haja vista, por exemplo, seu pontapé no indigenismo como fotojornalista na revista “Realidade” (1971), a cocriação do fotolivro “Amazônia” (1978), uma espécie de manifesto contra a convenção da representação fotográfica, ao mesmo tempo que contra a ditadura e o desastre das políticas indigenistas, e a cofundação da ONG Comissão Pró-Yanomami, em 1978, que foi fundamental nos processos que levaram à demarcação da Terra Indígena Yanomami, em 1992. E quão menos política seria a escolha de pesquisar, fotografar e publicar, também em plena ditadura, narrativas mitológicas contadas pelos próprios Yanomami (“Mitopoemas Yãnomam”, 1978)?

Foi na aliança entre evidenciação jornalística com uma sensível e inteligente produção estética que Andujar expôs a beleza cultural Yanomami. A maestria com a pouca luz de dentro de uma casa comunal (série “A Casa”, 1970-1976), a qualidade dos retratos (série “Catrimani”, 1971-1972), o esforço da criação/captura do etéreo do pensamento Yanomami (série “Sonhos Yanomami”, 2002), a captura de volumes, texturas e tempos das relações humano/floresta (série “A Floresta”, 1972-1976) e, da mesma forma, a sagacidade dos enquadramentos e atenção às situações e composições das imagens que parecem fazer visíveis o que não se pode ver (série “O Reahu”, 1974-1976). E as reflexões que levantam a mescla dos retratos de intimidade – de sorrisos, de descanso –, com fotografias de recortes de jornal remetendo a cenas do garimpo ilegal e da malária, presentes na série “Genocídio do Yanomami” (1989), têm uma atualidade brutal que felizmente hoje aparece em evidência política e humanitária.

Expondo a beleza da cultura Yanomami, Andujar expôs também os tempos sombrios que se iniciaram com a invasão das terras desse povo na década de 1970. Nas séries “Genocídio do Yanomami”, “O Reahu”, “Catrimani”, “A Floresta” e “A Casa”, seu trabalho respeitou a vontade desse povo, que não queria ser retratado e divulgado para o mundo a partir das indignidades impostas a ele. Com sutilezas, a obra de Andujar denuncia, mas vai além. A delicadeza, lida tantas vezes como ausência de força, revela sua potência nas fotografias de Andujar, assim como as pequenas plumas brancas dos trajes de Xapiripë ou Hekurapë, que lhes conferem o poder dos trânsitos espirituais. 

Na série “Sonhos Yanomami”, tênue também é a linha que separa e ao mesmo tempo interliga as diferentes existências entre pessoas, bichos e matas. As imagens cosmológicas Yanomamis se contrapõem às grandes certezas, que formam o sólido e bravo ímpeto de destruição dos não indígenas. A compreensão da complementaridade que existe entre todas as formas de vida ocupa também mais uma etapa na busca de Andujar para preencher os próprios espaços do seu existir. 

Mesmo com todo o experimentalismo e sensibilidade nos esforços tradutórios, a obra de Andujar deixa também o legado da reflexão sobre a produção das próprias imagens, neste caso feitas através de lentes muito específicas, material e culturalmente falando, que são as lentes ocidentais. A série “Minha Vida em Dois Mundos” (1974), por exemplo, nos arremessa para um lugar tensionado, não menos poético, entre a perspectiva sociocosmológica das sociedades hegemônicas, que fotografam para lembrar, e a perspectiva de um povo que foi fotografado, para o qual a lembrança, justamente por não depender de registros em “peles de imagens tiradas de árvores mortas”, é um valor que está no pensamento e na oratória, e por isso não envelhece. E fizeram parte do talento de Andujar justamente o amor e a coragem para fundir na fotografia aquilo dos Yanomami que não envelhece.

Esta exposição oferece ao visitante a oportunidade de, mesmo distante geográfica e culturalmente do povo retratado e da fotógrafa, se encontrar, reconhecer em si e nos outros, por meio e por dentro das diferenças, as diversas sensações que compõem o viver entre os mundos de Claudia Andujar.

 Texto institucional

A exposição “Claudia Andujar: poéticas do essencial” marca a história do Museu Paranaense (MUPA), com a incorporação de fotografias de Claudia Andujar em seu acervo. Andujar é fotógrafa reconhecida internacionalmente pela sua produção ímpar e por sua profunda relação com o povo Yanomami. A entrada desses novos itens enriquece ainda mais o arquivo imagético do MUPA e sua coleção antropológica, histórica e artística. 

Esta expansão de acervo insere-se em um movimento mais amplo, conduzido nos últimos anos pela instituição, em torno de um compromisso com as reivindicações sociais dos diversos grupos que compõem a sociedade. Dentro da metodologia de trabalho construída mais recentemente pelo MUPA, têm-se valorizado representações éticas sobre as populações que produziram boa parte dos itens de seu acervo e cujas histórias figuram nos projetos expositivos, com destaque às dos povos indígenas. O Museu buscou, em suas últimas ações, agregar pessoas e comunidades que integram os povos originários do país, tendo em vista a elaboração de novas narrativas em que suas vozes e saberes fossem os grandes catalisadores. 

 Apesar de Claudia Andujar não ser uma pessoa indígena, cada detalhe de sua obra e de sua atuação política foi elaborado a partir de uma postura de plena escuta em relação ao povo Yanomami. A fotógrafa e ativista baseou suas criações nos valores e reivindicações próprios das comunidades em que viveu e é reconhecida por eles como uma de suas mais relevantes aliadas. O esforço recente do Museu Paranaense é de seguir esses mesmos preceitos que permearam a vida e o trabalho de Andujar e reverberar as pautas das sociedades e sujeitos indígenas.

Nesse panorama, a imagem tem figurado como uma das mais relevantes ferramentas de reivindicação. Para os Yanomami, a beleza de sua cultura era um dos aspectos mais importantes a serem registrados e divulgados pelas lentes da câmera de Andujar. Entre tantos outros povos originários, a interpretação sobre a captura de retratos e cenas varia de acordo com suas mais diferentes concepções cosmológicas. Há cada vez mais um consenso, no entanto, sobre a relevância do alcance das linguagens artísticas e documentais visuais. 

A entrada desta seleção de fotografias de Claudia Andujar para o acervo do Museu Paranaense é mais um passo na consolidação de uma atitude recente na história da instituição de quase 150 anos, que é confrontada com as práticas excludentes praticadas ao longo de nossa história e que se torna consciente do cenário de exclusão que vivenciou. O MUPA é um espaço que tem se dedicado a se reinventar e construir um novo papel para si, como um colaborador na reparação das perdas coloniais e na construção de uma sociedade que ofereça plenas condições para o florescimento dos modos indígenas de existir. 

 

O fotolivro “Amazônia” (1978), publicado pelos fotógrafos Claudia Andujar e George Love, é considerado uma obra célebre do gênero. É uma narrativa visual de mais de 150 imagens encadeadas como em um filme, a partir das quais é possível mergulhar nas paisagens, detalhes, texturas e cores vibrantes da Floresta Amazônica; ao mesmo tempo que manifesta a relação vital dos Yanomami com seu território. O vídeo, que mostra a sequência completa do livro, faz parte da exposição "Claudia Andujar: poéticas do essencial", em cartaz no Museu Paranaense.

 

GALERIA DE IMAGENS

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    Foto: Kraw Penas/SEEC

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    Foto: Eduardo Macarios

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