Eu Memória, Eu Floresta: História Oculta
Montagem da exposição em dezembro de 2020 e abertura ao público em maio de 2021
Mostra de longa duração localizada no andar inferior do Anexo
A exposição Eu Memória, Eu Floresta: História Oculta apresenta a erva-mate a partir de alguns eixos: os usos e saberes da planta dos povos indígenas do Sul, bem como seus primeiros locais de cultivo: as florestas; o beneficiamento artesanal da erva-mate por pequenos produtores; e aspectos ligados à representação científica e artística da natureza feitas por viajantes estrangeiros e pesquisadores.⠀
Fazem parte da exposição um amplo conjunto de fotografias, artefatos arqueológicos, peças tridimensionais e as reproduções do álbum Voyage pittoresque et historique au Brésil, de Jean-Baptiste Debret. Também compõe o conjunto a emblemática fotopintura Família Kanhgág no Museu Paranaense, produzida em 1903, e especialmente restaurada para fazer parte da exposição.⠀
Dentre as dezenas de peças presentes, a mostra conta ainda com um conjunto de obras do artista indígena wapichana Gustavo Caboco. De maneira poética, suas obras propõem uma atualização da história indígena ligada à erva-mate, questionando o lugar dos saberes dos povos originários em contraposição à história “oficializada”.⠀
A mostra faz parte do projeto Circuito Ampliado - Acervos em Circulação, em parceria com o Espaço Cultural BRDE - Palacete dos Leões.
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Curadoria: Richard Romanini
Curadoria científica: Claudia Inês Parellada, Felipe Vilas Bôas e Josiéli Spenassatto
Textos: Felipe Vilas Bôas⠀
Texto curatorial
“Vimos acima que o mate [...] é para a cidade de Curitiba
importante artigo de exportação. A árvore da qual ele provém é
comum nas matas das vizinhanças da cidade [...], as folhas verdes do
mate são inodoras, de sabor herbáceo e um pouco amargo;
mas, preparadas, desprendem suave perfume que
se assemelha mais ou menos ao do chá suíço.”
Foi assim que o botânico August Saint-Hilaire descreveu os ervais dos Campos de Curitiba, para os quais criou a nomenclatura científica Ilex paraguarienses. Dotado de enorme antropocentrismo, Saint-Hilaire vê sua “descoberta” em um contexto econômico-científico, sem indagar sobre como a população da Capitania de São Paulo apreendeu a beneficiar e consumir o chá.
Mais do que uma planta, a erva-mate – ou kukuay para os Xetá, kógũnh para os Kaingang, e ka’a para os Guarani – contempla todo um significado cultural. No caso Guarani, a planta, a colheita, a queima, a infusão e o consumo estão cercados pela cosmogonia comunitária. Um elo entre o passado e o presente, no qual os mais velhos ensinam as novas gerações suas formas e práticas existentes, uma memória repleta de signos. O consumo da ka’a não se limita ao campo cotidiano, mas atinge o sagrado. Para os Kaingang, o consumo de kógũnh pode se dar na Iñ-Xin, no qual os mais velhos acolhem os visitantes, refletem sobre o mundo, voltam-se ao seu âmago e dialogam com o sentido de ser e estar.
A erva-mate é um fragmento de um espaço maior, a floresta. A Mata Atlântica não se limita a ser um espaço de ocupação e usos, é também uma zona de simbologias, ritos e conexões ancestrais. As etapas de extração da erva-mate apontam para um diálogo profundo com processos entendidos na contemporaneidade como sustentáveis. A árvore não precisa ser derrubada para que suas folhas sejam extraídas. Ela ainda é importante para o sustento de animais que se alimentam de seus frutos, constroem seus ninhos e ajudam a planta a se proteger de pragas naturais. Os ervais convivem com outras plantas, entre elas a Araucária – árvore de enorme relevância para os Kaingang, fornecendo alimento, madeira, criando limites de territórios entre diversas comunidades e compondo um vasto espectro cosmológico.
Da mesma forma que a erva-mate é representativa aos povos originais, as populações estrangeiras que invadiram e espoliaram os territórios dos autóctones incorporaram para si não apenas o ato de consumo, mas também uma ampla gama de significados representativos. Seus métodos de extração e consumo remontam a tradições indígenas com a inevitável incorporação de formas e mecanismos externos ao passar do tempo. Em camadas cotidianas, a erva-mate ganhou contornos familiares, nos quais seus membros compartilham suas experiências: uma erva da sociabilidade.
A representatividade da erva-mate extrapola sua relevância cultural: vai desde o habitus até as simbologias políticas, como a bandeira do Paraná. Essa representação se estende entre criar simbologias e fundamentar memórias individuais e coletivas na posterioridade. Suas origens, natureza e usos são múltiplos e perpassam a construção de discursos científicos e artísticos.
Em Eu Memória, Eu Floresta: História Oculta representatividade e representação dialogam. A identidade indígena, a sustentabilidade ambiental e a memória da erva-mate transmitida das populações originárias aos colonizadores perpassam a experiência, evidenciando saberes milenares que permitiram a criação de costumes e de uma indústria oitocentista que marcou época, do sagrado à coisificação, da planta ao produto. Não se trata apenas de uma História da erva-mate indígena, mas de processos sociais, circularidade cultural, transmissão de conhecimento e representação do mundus. De forma atemporal, sempre em transformação, a erva-mate pode ser vista desde sua força representativa na cosmogonia até as reverberações de suas formas imagéticas.
Vídeos
Apresentação | Exposição Eu Memória, Eu Floresta: História Oculta
Neste vídeo, Richard Romanini apresenta os aspectos gerais da exposição, bem como o projeto Circuito Ampliado - Acervos em Circulação, em parceria com o Espaço Cultural BRDE - Palacete dos Leões.⠀
É indígena a erva-mate! | Exposição Eu Memória, Eu Floresta: História Oculta
No vídeo, o artista indígena Gustavo Caboco compartilha suas reflexões provenientes do mergulho na história e importância da erva-mate, trazendo à tona questões ligadas à memória da planta e a relação dos povos indígenas da região Sul com esses seres vegetais. Além disso, ele fala sobre as suas obras da série EXIGÊNCIAS DA MATA que fazem parte da exposição “Eu Memória, Eu Floresta: História Oculta”.
Projeto Circuito Ampliado – Acervos em Circulação
O programa Circuito Ampliado – Acervos em Circulação é uma iniciativa de cooperação entre instituições culturais com o objetivo de incentivar a pesquisa em acervos, estimular novos recortes curatoriais e proporcionar a ampliação de públicos com a circulação de acervos de Curitiba.
Idealizado pelo Museu Paranaense (MUPA) e o Espaço Cultural BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul) – Palacete dos Leões, o programa propõe como primeiro projeto fomentar estudos e pesquisas sobre acervos relacionados à erva-mate a partir da perspectiva histórica, antropológica, artística e cultural. Por meio de exposições que discutem a memória, representação, identidade e representatividade, tanto da erva-mate em si como da sociedade paranaense em sua ampla formação, o projeto busca amplificar as percepções sobre o patrimônio ervateiro e os saberes e fazeres sociais.
Derivam do Circuito Ampliado, entre outras ações, as exposições Eu Memória, Eu Floresta: História Oculta no Museu Paranaense e Narrativas e Poéticas do Mate no Espaço Cultural BRDE - Palacete dos Leões.
Podcast Circuito Ampliado
Além das duas exposições, integra o programa Circuito Ampliado – Acervos em Circulação uma série de podcasts que entrevista pesquisadores com estudos variados sobre temas relacionados à erva-mate.
Podcast Circuito Ampliado | “Mulheres e Erva-Mate” com a professora e socióloga Amélia Siegel Corrêa