Lia D Castro: O espaço do corpo
MOSTRA TEMPORÁRIA
Parte do Programa Público "Corpos ― Indícios, Matrizes ― Espécies"
Em cartaz de 07/2024 a 08/2024
A mostra “Lia D Castro: o espaço do corpo”, com um conjunto de obras da artista, foi uma das exposições que permearam o II Programa Público do MUPA, “Corpos ― Indícios, Matrizes ― Espécies”, que se aprofundou na temática do corpo, em suas múltiplas concepções. Em seu trabalho, a artista utiliza a prostituição como ferramenta de investigação, abordando temas como raça, classe, gênero e sexualidade a partir de perspectivas da psicanálise, criminologia, antropologia e sociologia.
Texto crítico
De acordo com a formulação da crítica cultural e escritora afro-americana bell hooks, ao ocupar a margem, desenvolvemos uma maneira particular de enxergar a realidade. Ou seja, esse modo de ver complexo põe em evidência tanto o centro quanto a margem como espaços de possibilidade radical, expressos por meio da produção crítica ou estética em conexão estreita com a experiência vivida. Nessa configuração, a marginalidade é um local de resistência, criatividade e poder.
O pensamento crítico-artístico da educadora, intelectual e artista visual Lia D Castro põe em evidência esse lócus de ação radical criativa e imaginativa. Suas criações nos permitem perceber os rastros de sua atuação como trabalhadora do sexo, educadora e intelectual. Esses indícios se apresentam em sua produção visual de forma não excludente, mas dialógica.
Sob o prisma do gesto político-criativo e pedagógico, a artista constrói personagens em alusão a sujeitos brancos e negros oriundos das classes média e alta com quem mantém relações afetivo-sexuais. Essa narrativa crítica-visual também abre espaço para a autorrepresentação da própria artista na cena criada. Nesse sentido, Lia ocupa o espaço não apenas como criadora, mas também como objeto de sua observação e criação. A fusão desses entrecruzamentos põe o espectador em alerta diante de uma narrativa amorosa inovadora que propõe a conexão entre amor e ética a partir da prática amorosa entre sujeitos de diferentes subjetividades em desconexão com a obsessão pelo poder e pela dominação.
Alinhada às perspectivas da abordagem da psicanálise, criminologia, antropologia e sociologia em torno dos debates sobre raça, gênero e classe, a produção pictórica de Lia nos convida a refletir sobre os atravessamentos operantes da colonialidade. Nas criações que tematizam o fenômeno do racismo, a artista apresenta os sujeitos brancos sob a chave da representação de sujeitos coletivizados, provocando o espectador a refletir sobre a quebra da ideia do sujeito branco como simplesmente uma unidade representativa apenas de si mesmo, de acordo com as observações da estudiosa Edith Piza em suas reflexões sobre branquitude.
Com domínio pleno da técnica da pintura, suas marcantes pinceladas revelam uma artista comprometida com seu próprio corpo e com a coletividade da qual faz parte. Temas como afeto, justiça social, violências político-estruturais e sociorraciais, além das questões de gênero e sexualidade, adicionam camadas crítico-reflexivas que extrapolam o campo da arte.
Entrar em contato com a poética de Lia D Castro significa pôr-se em estado de abertura crítica-sensível em recusa e oposição às táticas já manjadas da “ignorância branca”, no sentido de ignorar toda a sistemática opressiva da realidade, como postula o filósofo jamaicano Charles Mills.
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Janaína Machado - educadora e pesquisadora. Mestre em Estudos Étnicos e Africanos pela UFBA, com a pesquisa “Radiografias Epistêmicas: Poéticas Políticas Negras na Bienal de São Paulo”, e graduada em Letras-Português e Linguística pela USP. Desenvolve pesquisas e consultoria no campo dos estudos das relações étnico-raciais a partir do eixo da mediação cultural, arte e educação, promovendo cursos de formação de educadores e professores.
Sobre a artista
Atua de maneira transversal no terreno das Artes Visuais. Há 9 anos é mediadora em espaços expositivos, desenvolvendo esse trabalho de forma concomitante em instituições de arte. Pesquisa as possibilidades de leituras de obras além das camadas de tinta, realizando palestras na Suíça, Vevey e Lausane. Dedica-se ao projeto “Seus filhos também praticam”, no qual utiliza a prostituição como ferramenta de trabalho e investigação, aproximando-se de garotos com idade entre 18 e 25 anos, brancos, ricos e autodeclarados héteros. Nele, busca cultivar o diálogo e a escuta no domínio da raça, classe, gênero e sexualidade.
Sobre o Programa Público
“Corpos ― Indícios, Matrizes ― Espécies” é a segunda edição do Programa Público do Museu Paranaense (MUPA), um projeto experimental e bienal que, em 2024, aconteceu entre os meses de maio e agosto.
A partir de uma série de ações artísticas, educativas e culturais gratuitas, o público é convidado a se aproximar dos debates, trânsitos e manifestações associados ao corpo ― humano, não humano, orgânico, inorgânico ― como materialidade portadora e geradora de linguagens transversais.
Deste Programa Público, que conta com convidados de múltiplas partes do Brasil e do mundo, participam artistas, pesquisadores, professores, arquitetos, escritores e detentores de saberes e fazeres tradicionais.
Por meio de mesas de conversa, performances, oficinas e exibições, busca-se fomentar diálogos e trocas que aproximam diferenças, colocando em destaque a relação entre corporalidades distintas e temas como história, antropologia e arqueologia; artes plásticas, artes visuais e audiovisuais; literatura, poesia e escrita; infância, educação e aprendizado; gênero, raça e identidade; religiosidade, ritualidade e sagrado; dança, música e artes circenses; moda, design e arquitetura; sonoridade, sensorialidade e outras formas de experiência corporal.
Ao reafirmar a importância da cultura material e imaterial, bem como de seus sujeitos e os encontros que os permeiam, pretende-se também fortalecer a potência do museu como espaço de relações.
A artista Lia D Castro conversou com a estilista, costureira e arte educadora Vicenta Perrotta e o pesquisador, curador, ativista e professor, Guilherme Altmayer na mesa de conversa “O corpo como política afetiva”, encontro que abriu a mostra “Lia D Castro: o espaço do corpo”, com um conjunto de obras da artista.
No encontro, elas refletiram sobre alternativas às formas tradicionais de representação nos museus e espaços culturais. A proposta partiu do corpo como uma linguagem e imagem epistêmicas, capazes de transcender as fronteiras impostas pela tradição museológica.
O evento aconteceu no dia 20 de julho de 2024, como parte do II Programa Público do MUPA, “Corpos ― Indícios, Matrizes ― Espécies”.