Teoria da Flutuação

Teoria da flutuação, de Marcus Deusdedit. Novembro de 2025 a Fevereiro de 2026.

 

MOSTRA TEMPORÁRIA

Em cartaz de 11/2025 a 02/2026

A mostra "Teoria da Flutuação", de Marcus Deusdedit, é uma das selecionadas pelo V Edital de Ocupação do Espaço Vitrine e poderá ser visitada até 22 de fevereiro de 2026.

A instalação multimídia reúne imagens digitais de diferentes fontes, como fragmentos de filmes, memes das redes sociais e trechos de jogos, acompanhadas de uma narração construída a partir de diálogos com plataformas de inteligência artificial. A partir dessa combinação audiovisual, Deusdedit propõe um deslocamento poético do conceito de gravidade: de uma força física constante para uma variável relacional do espaço-tempo, passível de distorção. Em cena, corpos negros desafiam essa gravidade múltipla e afirmam, pela flutuação, uma forma de resistência e reinvenção.

No texto crítico da mostra, Thaís Regina observa que o artista “articula um vasto repertório de imagens que desafiam o que consideramos possível, neutro e universal”. Com essa abordagem, o trabalho de Deusdedit dialoga diretamente com o tema da quinta edição do edital, “Boca de Arquivo”, ao propor novas leituras sobre conceitos como arquivo e gravidade, convidando o público a imaginar outras formas de existência e subversão.

Tudo que se nomeia universal é uma farsa. O homem é uma performance de gênero. O dinheiro é uma ideologia de vida. E o branco é uma invenção do século XX. O branco inventou a categoria “negro” antes mesmo de se reconhecer entre si como um. E se o negro é uma invenção do branco, a negritude é a invenção do negro. Singular e ordinária, íntima e comum, a negritude é uma ideia que atravessa o mundo como um constante paradoxo. Em Teoria da Flutuação, Marcus Deusdedit articula um vasto repertório de imagens que desafiam o que consideramos possível, neutro e universal. A partir desse tensionamento, o artista volta seu olhar sobre a brecha, o desvio e a subversão.

Mas a história do desvio não é simples de contar. Não tem começo nem fim. É uma história territorializada, mas, ainda assim, sem lugar. Uma história outsider da História. A teimosia em historiografar o desvio e aprender com ele é um exercício que atravessa gerações de artistas e talvez seja representado de modo mais emblemático hoje pelo trabalho de Saidiya Hartman, que se dedicou a biografar a década de 1920 a partir de fragmentos de histórias de jovens negras rebeldes. Enquanto Hartman conta a história do desvio pela descrição de arquivos documentais e pela falta deles, Deusdedit reúne um acervo de vídeos e interfere nessas produções, ficcionais e documentais, estruturando uma ficção não narrativa, mas, em vez disso, uma elaboração teórica não linear. Ambos, no entanto, pensam a fabulação crítica como uma disputa pela memória.

Ao se debruçar sobre arquivos piratas, Deusdedit lança mão de ferramentas de edição de vídeo, como reverb e loop, alterando a velocidade, o sentido e o formato do material que tem em mãos. O arquivo digital já representa, por si só, uma suspensão da materialidade. Somado a isso, o artista rompe com a natureza prévia de cada arquivo, retira-os de seu contexto histórico ou da cultura pop e, a partir desse deslocamento, explora outra possibilidade de relação do corpo com o espaço. Assim, o acervo de Deusdedit atua como pivô para a criação de uma estranha intimidade, própria de uma geração remixada e interpolada, em que a escala íntima e a escala da multidão se encontram em uma coleção desapropriada de autoria e, talvez por isso mesmo, tão pertencente aos desapropriados do mundo.

Thaís Regina

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