Vênus como mirada

 

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MOSTRA TEMPORÁRIA

Em cartaz de 09/2024 a 12/2024

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“Vênus como mirada”, de Val Souza, é um dos projetos contemplados no IV Edital de Ocupação do Espaço Vitrine do MUPA. O trabalho parte da pesquisa da artista com autorrepresentação fotográfica para refletir sobre o imaginário social do corpo da mulher negra no Brasil, colocando em tensão noções de beleza, amor, erotismo e sensualidade. A partir de uma série de impressões lenticulares, a artista sobrepõe autorretratos com imagens de mulheres do século XIX, criando camadas de conexão histórica que questionam o olhar colonial.

O Edital de Ocupação do Espaço Vitrine é um programa anual do Museu Paranaense, iniciado em 2020. que tem como objetivo trazer propostas de exposição nas áreas de Artes Cênicas, Artes Visuais, Design, Arquitetura e pesquisa em diálogo com as disciplinas científicas da instituição: Antropologia, Arqueologia e História, promovendo a interdisciplinaridade entre esses diferentes campos de atuação, em exposições gratuitas dentro do próprio museu.

 

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Texto crítico

Vênus como mirada apresenta uma intensa pesquisa da artista Val Souza sobre os mecanismos de formação dos imaginários e construções de noções históricas utilizadas para representação da mulher negra em relação direta com os padrões de beleza, amor e erotismo vigentes no mundo ocidental em consequência das heranças coloniais e ainda presentes como um reflexo dos modelos gregos de percepção sobre os corpos. 

Pensar sobre os processos de representação, regimes de imagem e modelos de percepção que estiveram secularmente hierarquizados, estabelecendo formas de poder pela coerção, censura e discriminação a modos de ser e expressões sensíveis diversas daquelas socialmente hegemônicas é propor uma revisão em todo um sistema de valores éticos, estéticos, históricos, culturais e políticos que impactam as relações humanas por meio da dimensão simbólica na vida em sociedade. 

Os atributos da divindade grega Vênus, amor, beleza e erotismo, sempre estiveram em disputa, sendo utilizados como instrumentos de controle dos desejos e negociações políticas a serviço dos interesses das elites coloniais, acadêmicas, culturais, financeiras etc., de cada época, por meio da imposição de normativas estéticas e estereótipos segregacionistas, monorrepresentativos e generalizantes.  

Neste trabalho, a artista promove o encontro entre uma série de autorretratos, evocando performaticamente a presença de Vênus em si própria, com retratos produzidos no Brasil pelo fotógrafo alemão Alberto Henschel, na segunda metade do século XIX, nos quais as mulheres ali representadas tiveram suas identidades ocultadas, subtraídas.

Utilizando a técnica de impressão lenticular, Val Souza constrói um espaço de combinação pictórica em que duas imagens, feitas em momentos históricos distintos, passam a se relacionar de forma interdependente, uma completando a existência da outra. 

Imagens lenticulares são construídas a partir da interseção de duas ou mais fotografias impressas em lentes especiais que permitem a percepção alternada de cada cena, dependendo do ângulo de observação. 

No processo de fruição da obra, as imagens, para serem vistas, cedem lugar uma à outra, sem deixarem de existir simultaneamente no mesmo plano material. Apesar de estarem em constante transição no campo de visão do observador, que se desloca para descobrir a próxima cena, e se manifestarem alternadamente à percepção de quem as vê, as duas imagens nunca deixam de estar associadas, de se pertencerem.

Nas camadas poéticas do trabalho, que dizem respeito à transformação dos sentidos e valores estéticos, compartilhar o mesmo espaço pictórico ou dividir o mesmo plano da imagem seria incorporar em si a dimensão existencial de Outro.

O gesto da artista, de se colocar autorrepresentada em relação aos retratos históricos dessas mulheres, recontextualizando sua presença e a maneira como são percebidas, sem alterar suas identidades, pode ser encarado como um fenômeno de incorporação que transcende a superfície do quadro e as noções tradicionais de temporalidade. Dois corpos se encontram – separados por séculos de distância entre si – para se tornarem uma única entidade simbólica. Val empresta a elas uma identidade enquanto reafirma a sua própria no encontro com essas mulheres. Cria-se, portanto, entre esses dois pontos da história, uma relação ético-estética de reciprocidade e completude de desejos. 

Nesse movimento de interseção entre imagens e tempos, Val Souza transfere a essas mulheres do século XIX, no mesmo instante em que recebe delas, suas dimensões de beleza, amor e afetividade. Se fazem simultânea e alternadamente signo e símbolo uma da outra. A partir do que todas elas se tornam Vênus.

Guilherme Cunha 

Sobre a artista

Nasceu em São Paulo (SP) e vive entre sua cidade natal e trânsitos da diáspora negra. Com a prática da performance, ações propositivas, fotografias, vídeos, objetos e instalações, aborda símbolos e discursos que fundamentam o imaginário social brasileiro, contrapondo-o a práticas de retomada, abundância, autonomia e alegria.

Trabalha a circulação de subjetividades por meio da contínua autoexposição de seu corpo, da produção de imagens de si e o uso das mitologia e iconografias. A artista se vale dos instrumentos da filosofia, mitologias e da crítica cultural para elaborar outras narrativas, conexões e leituras com base em pesquisas iconográficas sobre a representação histórica de mulheres negras.

Mestra em Dança pela UFBA (BA) e formada em Pedagogia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP). Participou de mostras e festivais em cidades do Brasil e em outros países, como Angola,França e Alemanha. Recebeu, entre outras premiações, a Bolsa de Fotografia ZUM do Instituto Moreira Salles (ZUM IMS 2020), prêmio “Life Before Colonialism”, organizado por PLACE for Africa, MeineWelt e.V. e Goethe-Institut em Mannheim (2022), Photo Prix da Aliança Francesa (2023), foi selecionada para o programa “Nova Fotografia” do Museu da Imagem e do Som (MIS) (2023), também recebeu o prêmio Leda Maria Martins na categoria ancestralidade. Em 2024, sua obra “Vênus” integrou a publicação da Foam Magazine #65 Talent, participou da 2ª edição do programa “Contra-Flecha” da galeria Almeida & Dale, indicada ao Prêmio PIPA 2024, atualmente e artista residência da Bolsa Pampulha.

 

Como pensar o corpo preto e periférico que ama a si e (re)inaugura toda uma ordem de visibilidade? Essa é uma das questões abordadas na mesa de conversa "Desfazer a trama", entre a artista Val Souza e a jornalista Fabiana Moraes. Nela, as convidadas refletiram sobre regimes históricos de visibilidade do corpo negro e como Val Souza o contrapõe ao se apropriar de imagens históricas em seu trabalho.

Fabiana Moraes é professora do curso de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Jornalista com mestrado em Comunicação e doutorado em Sociologia, ambos pela UFPE. Pesquisa mídia, imprensa, poder, raça, hierarquização social, imagem e arte, temas sobre os quais tem cinco livros publicados.

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GALERIA DE IMAGENS

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    Foto: Anderson Tozato/SEEC

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    Foto: Anderson Tozato/SEEC

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    Foto: Heloisa Nichele/MUPA

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    Foto: Heloisa Nichele/MUPA

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    Foto: Heloisa Nichele/MUPA

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    Foto: Heloisa Nichele/MUPA

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