mau da língua

  

banner mau da língua

 

​​​​​​MOSTRA TEMPORÁRIA

Em cartaz de 12/2023 a 03/2024 

Acesse o catálogo da exposição

Acesse o folder da exposição

mau na língua é uma mostra individual com trabalhos inéditos do artista norte-mineiro davi de jesus do nascimento. Nascido em Pirapora (MG), às margens do Rio São Francisco, o artista tem se dedicado a criações que versam sobre a passagem do tempo, a memória, o humano e o orgânico. Surgem em suas obras temas como a afetividade e pertencimento em relação à vida ribeirinha, em toda a sua pluralidade de águas, gentes e terras.

A mostra é composta de trabalhos desenvolvidos especialmente para a exposição, como fotografias, vídeo, esculturas, objetos, desenhos e falas, além das “águas guardadas”, “aguamentos barranqueiros”, que marcam a identidade do artista e da exposição. 

 

baleiro mau da língua
geral mau da língua

 

Texto institucional

mau da língua, exposição individual e inédita de davi de jesus do nascimento, deságua no Museu Paranaense (MUPA) com desenhos, fotografias, vídeo, escultura e instalação, além das águas guardadas, aguamentos barranqueiros e derranhos que marcam a sua identidade.

O modo de vida às margens do Rio São Francisco não deixou opção que não fazer as coisas como quem faz poesia. A partir de lenhos brutos, guardados pelas águas, mas também lenhos talhados, segredos de família, a madeira vive para além da vida da árvore da qual um dia foi tronco ou foi galho. É assim também com as ossadas e os bichos que se misturam com(o) gente, com os retratos-enchente e os acervos familiares que presentificam forças e saudades. A obra toda de davi é intrinsecamente ligada às durações e efemérides do tempo e da vida, de casa e de afora, das tecnologias ancestrais e das mais industriais, das coisas feitas e das coisas resgatadas, da imensidão do Chico profundo à pequeneza dos caracóis.

Incansavelmente em movimento, água, pedra, madeira, barranco, margem, casa, corpo, os organismos, todos, vivos, são apanhados em constituições mútuas e penetráveis. Essa sugestão da obra de davi é abraçada com toda força de admiração pelo MUPA, com seus esforços de promover vidas, culturas e artes geradoras, em contraposição às violências narrativas e aos afogamentos das histórias populares.

O trabalho de davi compõe com uma sensibilidade ribeirinha para o belo, os sonhos e os sinais, com um conhecimento profundo sobre terra, água e ar, com vivências de um mundo norte-mineiro tradicional e complexo, com uma poética-oralidade cheia de força e singularidade. Mas também é um trabalho transcriado com as coisas do urbano, assim como é político no gesto sutil de ser.

O quanto isso interessa e compartilha com as atenções do MUPA não é miudeza. Com essa exposição, propõe-se que o público paranaense também possa se identificar nas tramas dessas criações. Que se envolva pelas redes feitas de rio, família e conversa fiada. Que não se atenha ao preto no branco, mas permita-se viver aquilo que flui em tons terrosos.

 Texto crítico

Brenda K. Souza 

“o tamanduá a língua põe, feito quem quer comungar” 

J.G.R

Há uma conversa fiada nas margens de cá do rio de que o primeiro pecado veio da carne da língua. O órgão longo e viscoso teria sido o responsável por, depois de tentear uma espécie de fruta proibida, convergir o paraíso às avessas; dar de saber ao homem a sua natureza de bicho como quem coloca no prato muita fartura em comida para só um comer. A lambança foi tanta que, dizem, todas as águas do mundo se espalharam. 

A saliva do fruto de outrora preparava em verdade uma enchente.

Desde então, tem quem viva de se enredar no alheio, catando conversa na ponta do redemoinho. Com ele, adianta-se a palavra a caminhar suas distâncias, sabendo que na língua reside a possibilidade primeira de experimentar o que o corpo ainda não sabe, afiar os dentes do porvir, esticar, criar caminho.

Em mau da língua, primeira exposição individual de davi de jesus no Museu Paranaense, somos levados ao centro dessa ventania riscada nos quintais alagados e convidados a conhecê-los pelos olhos da boca. A partir de uma seleção de desenhos, pinturas, fotografias, falas, objetos e restos engolidos e cuspidos pela correnteza, o artista despeja abundante todo fruto da coleta e inaugura ele mesmo um novo modo de derramar as águas doces do mundo. 

davi se orienta pelo rio – rede bifurcada – e pela pesquisa nos acervos fotográficos de sua família. A partir desses espaços, seu trabalho torna-se resposta à exigência do mergulho, à necessidade de marcar no gesto do desenho e da colheita a sobrevivência do bando, porque “sobreviver gera o desejo por mais de si".

Da profundidade do rio, davi recolhe os “objetos de águas guardadas”. O primeiro é um baleiro guardador de tempo-menino – o “nutre acre” –, recheado do tamarindo que cresce no bucho dos bichos medonhos moradores das águas fundas, no “sorvedouro". A centralidade ocupada pelo objeto e pela fruta convoca o corpo ao movimento, espelhando nele a abundância azeda com a qual se farta todo aquele que se sabe morador de um entrelugar. O segundo objeto é uma “embarcação azeda”, uma canoa de três proas que comporta a “sustança” para os que se vão navegar nos sumidouros do rio, sem chance que a fome alcance; depois desta, há ainda a “sustança quebrada”, uma proa em viva travessia. Por último, a série “caxumba” fecha a seleção de objetos e faz encher a boca de saliva com o quadríptico de trouxas, tarrafas com tamarindos.

O marrom do tamarindo, do barro do fundo do rio, das águas mexidas de chuva, dá o tom também aos demais trabalhos. Nos desenhos da série “gritos de alerta”, davi traz sempre em bando as criaturas sem as quais não se veleja a canto algum. A carranca, imagem híbrida meio-gente, meio-bicho, é o amuleto primeiro que protege o corpo-embarcação. 

Numerosas, as carrancas de davi não se repetem, mas andam apinhadas em cachos feito marimbondo.

Além destes, dividem morada molhada neste espaço os “aguamentos” de “sorvedouro”, a presença trincada do “retrato-enchente” da tataravó Ana Josefa; o “fogo selvagem” que acomoda na imagem do corpo-artista os restos de um bicho antigo; os retratos organizados em continuidade; a fala-alerta que não nos deixa nunca esquecer que “a língua é castigo do corpo”, mas também é um jeito de ir. 

O azedume que amalgama os trabalhos selecionados para esta exposição está sempre presente – nalguma medida – na feitoria de davi, mas o modo como essa presença se desenha desta vez nos cobra outra exigência do olhar, nos solicita um tipo diverso de coragem: a coragem de, tendo um corpo, experimentar as tantas formas que lhe cabem, saber velejar profundo, voltar outro sem gritar de susto com a nova-velha imagem que o espelho d’água vem refletir. 

GALERIA DE IMAGENS

  • mau da língua
    mau da língua
    mau da língua
    mau da língua
    mau da língua
    mau da língua
    mau da língua
    mau da língua
    mau da língua
    Foto: Caio Esgario

    Foto: Caio Esgario
    mau da língua
    Foto: Caio Esgario

    Foto: Caio Esgario
    mau da língua
    Foto: Caio Esgario

    Foto: Caio Esgario
    mau da língua
    Foto: Caio Esgario

    Foto: Caio Esgario
    mau da língua
    Foto: Caio Esgario

    Foto: Caio Esgario
    mau da língua
    Foto: Caio Esgario

    Foto: Caio Esgario
    mau da língua
    Foto: Caio Esgario

    Foto: Caio Esgario
    mau da língua
    Foto: Caio Esgario

    Foto: Caio Esgario